quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Relato de parto da Maya

A nossa segunda gestação foi planejada e desejadíssima. Queríamos dar um irmãozinho(a) para o Tito. Ano novo, entra 2012 e eu faço um teste de farmácia, está lá nossa segunda linha, fraquinha, mas está lá. Ano novo promissor!

Na mesma semana estou andando pela casa nos afazeres de sempre quando me sinto surpreendida por uma intuição, uma voz, não sei exatamente o que me dizia: "Quem está vindo é a Maya." Aceito feliz a vinda dessa menininha, seja bem-vinda ao aconchego do meu ventre, Maya...

Com 5 semanas (ansiosa) faço contato com Maíra, a parteira. Alguns meses antes Ana Cris (a parteira do Tito) me informou: "Já tenho sua parteira no Rio, a Maíra resolveu atender partos domiciliares aí, ela é ótima, você vai amar o jeito dela!" Sábia Ana Cris, já previa que eu ia ter que abrir espaço no meu coração para a segunda parteira, um espaço que aos poucos ficou gigantesco...

Gestação confirmada e saudável. O melhor pré-natal do mundo, com consultas no aconchego do nosso lar, Maíra criando um vínculo com todos, inclusive com o Tito, para que todos pudéssemos ficar à vontade no dia do nascimento.




Exames, somente aqueles que realmente são necessários, de acordo com as últimas evidências científicas que Maíra parece ter armazenadas dentro do cérebro detalhadamente. Excesso de exames trazem achados sem importância que, SIM, PIORAM os resultados em termos de saúde da mãe e do bebê. As evidências não mentem!
A gestação foi o tempo todo tranquila, nada além das histórias de sempre: azia, cansaço extremo, sono, muita dor no quadril e nas costas. Faz parte...

Defino a equipe: Parteira (enfermeira obstetra) Maíra, doula Ingrid, doula fotógrafa Valéria. Eu queria um pediatra, mas não achei ninguém que se dispusesse a nos atender aqui. Mas fiquei tranquila pois sabia que a parteira tem todo o aparato e competência necessários para atendimento de possíveis emergências com  recém-nascido, no âmbito de um parto de baixo risco.

Chego nas 37 semanas nada preparada para parir, tremendo de medo da dor e já sabendo que demoraria, pois Tito só deu sua estréia com 42 semanas. Com 40, tenho contrações bem doloridas, pródromos... penso que vai engrenar mas parou tudo, fiquei muito ansiosa.

41 semanas.Precisamos fazer alguma coisa? Segundo as evidências, é preciso monitorar a partir de 41 semanas, com ultrassonografia e cardiotocografia. Nessa hora tenho uma raivinha da evidências, pois não queria sair de casa, sabia que minha filha estava muito bem. Mas vou. Exames perfeitos, quantidade de líquido ótima, bebê excelente mas nada encaixado (o que não significa nada, pois pode encaixar cinco minutos depois e nascer dez minutos depois!). Nenhuma contração uterina durante o cardiotoco (mal sabe o médico que eu tive trocentas dentro do carro a caminho do exame). Senta e espera, Fernanda! Não fizemos exame de toque. Pra que toque? Não faz diferença nenhuma, né? Se não tem dilatação nenhuma, em duas horas tudo pode mudar rapidamente e o bebê pode já estar nascendo. Ou pode ter 5 cm de dilatação e ainda demorar duas semanas... se tem uma lição que eu aprendi de vez nessa gestação e parto é que realmente não dá pra prever NADA. Há que se entregar à experiência, há que confiar que o corpo que gerou aquela criança saberá pari-la, que não faria o menor sentido gastar tanta energia gerando aquele bebê perfeito sem providenciar sua saída, do jeito mais perfeito possível. E assim foi. Pra que toque? Poderíamos fazer um descolamento de membranas, é uma indução leve, sutil, benigna. Eu não quis. Maíra também não parecia achar necessário. Na gravidez do Tito fizemos dois descolamentos depois das 41 semanas (eu estava ansiosa, primeiro parto, né), mas dessa vez eu queria ver meu corpo imergir no trabalho de parto por conta própria. Quero saber se eu sei parir sem truques, sem mandinga, sem empurrãozinho.

E eu soube.

41 semanas e 6 dias, sábado, madrugada em contrações doloridas a cada 10-15 minutos. Felipe acorda pra trabalhar e eu digo que estou com contrações. "São só pródromos amor, daqui a pouco para de novo... eu vou trabalhar e qualquer coisa você me liga que eu volto correndo". Essa frase dele me fez morrer de raiva, porque realmente depois que ele disse, parou tudo. Ai que ódio! Me arrumei e fui sozinha à feirinha de orgânicos. Lá tive duas contrações bem fortes. A manhã passou assim, com contrações a cada meia hora, quarenta minutos. Voltei pra casa depois da feira e Tito pediu pra ir na casa da avó (minha mãe). Achei que não era má ideia, pus ele no carro e fomos almoçar lá. Logo depois do almoço as contrações foram ficando mais intensas e os intervalos diminuindo. Quarenta minutos, meia hora, vinte e vinte, quinze em quinze. Falo pros meus pais que estou com dor, meu pai sai pra ficar na loja e liberar o Felipe, que vem quase voando me buscar (eu já não queria dirigir pra casa, esperei ele chegar pra nos buscar - e nesse momento eu descobri o que é ter contrações dentro do carro, cruz credo). Maíra já estava avisada dessas contrações, mas como ainda estavam a cada 15 minutos, achei que podia parar tudo ainda, não queria mobilizar todo mundo à toa.

Chegamos em casa às 17h. Eu, Felipe e Tito fizemos uma faxinazinho no nosso quarto, closet e banheiro. Quando vinha uma contração eu ia pra cama e abraçava umas almofadonas, de quatro com os joelhos bem abertos, genia um pouco e a contração passava tranquilamente. Terminada a faxina, Felipe subiu pra dar a janta do Tito, e eu continuei preparando o ambiente. Às 6:30h começou o trabalho de parto de verdade. Mandei mensagem pra Maíra dizendo que não conseguia cronometrar, as contrações ficaram com intervalos curtos e eu estava começando a me apavorar. Ela disse que já estava tudo pronto e estava saindo. Enfiei na cabeça que não podia me apavorar. Concentrei-me. Lembre-me de fechar os olhos e sentir a onda, entrar na onda, escutar meu corpo, e eu me permiti sentir que ações aquelas sensações me impulsionavam. Poucas semanas antes uma amiga, Ana Thomaz, mostrou um trabalho da parteira Naolí com o rebozo: encaixar o pano no bumbum da mulher, de quatro, e balançar vigorosamente. Lembrei que isso aliviava a dor nos quadris no fim da gravidez (o Felipe fazia em mim). Usei isso de inspiração e comecei a chacoalhar o bumbum vigorosamente durante as contrações (dobrando e desdobrando os joelhos rapidamente, em movimentos curtos).Que bênção! Fazendo isso a contração vinha e passava tranquilamente. Entrava na onda. Não sentia mais dor. Aliás, impressionante como a dor era muito mais intensa quando eu estava na casa da minha mãe, fora do meu ambiente. Foi só chegar em casa, preparando o ninho a dor praticamente inexistia. Era muito fácil de lidar. E era delicioso perceber-me lidando tão bem com aquelas contrações intensas e pouco espaçadas.

Felipe chega pra colocar o Tito na cama, eram 19h e ele estava exausto (Tito acordava muito muito cedo). Como nós fazemos cama compartilhada, eu fui tomar um banho pra deixar o quarto quieto e ele dormir. Nessa hora eu ainda achava que passaria a madrugada toda em trabalho de parto, se eu soubesse que seria tão rápido teria deixado ele acordado e pediria alguém pra distraí-lo, queria muito que ele tivesse visto a irmã nascer.
Quando saí do banho ele já estava dormindo profundamente.

Sentia muita vontade de fazer xixi, ia ao banheiro no intervalo das contrações, até que desisti de ficar indo e vindo e encaixei de frente no vaso sanitário, abraçada na caixa acoplada (santa caixa acoplada!). Chega a equipe. Ingrid chega pra me dar um suporte, massagear as costas, pergunta se eu preciso de alguma coisa. 




Peço um par de meias (estava incomodada com o chão gelado). Fico encaixada no vaso e levanto sem sair do lugar para chacoalhar a cada contração. Maíra checa de vez em quando os batimentos cardíacos da Maya.


No comecinho do trabalho de parto eu escrevi no espelho:
Labor is hard work
it hurts
And you can do it

Às vezes não levanto na contração, mas rebolo de um lado para outro no vaso. Poucos minutos depois de chegada a equipe, começo a sentir os primeiros puxos. Hein? Puxos? Vontade de fazer força? "O tampão nem saiu ainda!!". Acho que eu ainda acreditava que passaria a madrugada em TP. Achava que teria uns 2 cm de dilatação ainda. Bobinha, estava entrando no expulsivo. Maíra, como eu posso estar tendo puxos, o tampão nem saiu ainda!? "Se você está com vontade de fazer força, faz força", ela me disse gentilmente com um sorriso no rosto. Linda, não podia ser uma frase mais perfeita. Significava "esquece os protocolos e sente seu corpo, Fernanda".

Começo a sentir uma ardência bizarra por dentro e me apavoro. Se eu lembrasse que aquilo era o círculo de fogo, não teria me apavorado, acho (meu lado racional ainda duvidava que eu estivesse no expulsivo). Mas não lembrei. Vou fazendo um pouco de força, instintivamente, espontaneamente, incontrolavelmente. Queria fazer xixi, sentia muita vontade, mas não tinha xixi pra fazer, era só o incômodo mesmo. Reclamei muito desse incômodo até que a Ingrid me deu uma bronca sutil que me ajudou muito: "vamos esquecer esse xixi?" rsrs.

Cadê o Felipe? Enchendo a banheira. Ele também achava que ia demorar muito ainda (depois da experiência de 24h de trabalho de parto do Tito!). Estava lá esquentando panela de água.
Maíra pede pra Valéria chamar ele, esquece a banheira, ele vai perder o parto!!

Fico de quatro no banheiro. Peço a banqueta. Sento e não gosto, acho muito baixa.




Lamento não poder usar a banheira, queria muito parir na água. Onde eu vou parir, meu Deus? Peço pra colocarem o colchonete no closet. Engatinho até ele entre contrações. Abraço a Ingrid.




E ali, apoiada nela, com os joelhos bem abertos, sinto a cabeça da Maya descer rapidamente. Na próxima contração, lá está minha pequena! Alcanço ela, pego, abraço, agarro, cheiro, beijo, olho no olho, você nasceu, minha pequena! Que pequenininha, meu Deus! E linda. E perfeitamente saudável. Nasceu Maya às 9:22h da noite no dia 22/09, pesando 3040g, fazendo caretinhas e olhando bem dentro dos meus olhos.




Durante o trabalho de parto, que durou três horas, também não houve necessidade de nenhum exame de toque.

Meus sogros entram pra cumprimentar e sobem para telefonar pros meus pais. Peço para Maíra preparar as coisas pra cortar o cordão, que já tinha parado de pulsar,pois eu preciso que alguém pegue a Maya pra eu mudar de posição.






Maíra me dá uma injeção na coxa para prevenir hemorragia, já que eu tinha um fator de risco - hemorragia no primeiro parto. Ficamos lá aguardando a placenta. Nada... uma hora depois me sinto tonta, Maíra calmamente pega minha veia e coloca uma bolsa de soro. Massageia minha barriga. Nada de placenta. Resolve colocar ocitocina no soro, pra ver se a bendita pula pra fora. Peço não muito gentilmente pra ela parar de massagear, as contrações estão fortes, tá doendo pacas. "Deixa Má, uma hora sai, Pô." "ok, então vou fazer um lanchinho e já volto pra te avaliar, tá?". Daqui a pouco ela volta, e nada. Mas vai sair, caramba, tem que sair. E saiu. Três horas depois da Maya, vivaa! Linda, inteira, perfeita! E só depois que ela saiu foi que o meu incômodo de vontade de fazer xixi passou, ufa! Já era meia noite e meia, meus sogros e meus pais tomando cerveja lá fora, na brisa fresca da madrugada...

E o Tito? Dormindo! Equipe e família andando pelo quarto, luzes acesas e ele apagadão. Só foi conhecer a irmãzinha no dia seguinte!


Fui engatinhando tomar banho, que delícia me lavar ainda que de quatro, haha! Eu tinha perdido novamente uma quantidade considerável de sangue e não conseguia ficar em pé, dava tontura. No banho percebi que meu períneo estava absolutamente intacto, me lavei com sabonete e não teve ardência, inchaço, nada! Parecia que nada tinha acontecido, é incrível.

Preciso dizer que parir na paz do lar é a melhor experiência que uma mulher pode ter na vida. Em nenhum momento eu pensei em hospital. Eu não cogitava nem sair do meu quarto! Ali era o meu ninho, ali eu tinha privacidade, silêncio, ali eu me sentia à vontade para me entregar por isso era possível lidar tão bem com as contrações. Ali fui rainha do meu processo. Ali, naquele banheiro, naquele closet, eu passei pela segunda maior transformação da minha vida, ali recebi meu segundo bebê. Ali, rodeada de amor, carinho e lágrimas, Maya chegou ao mundo.

                                      






Agradecimentos:
Maíra, pelo pré natal delicioso, pelo atendimento impecável, pelo pós parto atencioso, pela preocupação com todos os detalhes, para que aquele momento fosse o mais incrível e especial possível.
Ingrid, pelo apoio, abraço imprescindivel, atenção e carinho no parto e no pós parto.
Valéria, pelo carinho com que nos atendeu e pelas imagens sobre as quais babaremos para sempre.
Felipe, por acreditar em mim, por ser um companheiro incrível nessa jornada que é ter filhos, pelo semblante sempre tranquilo, confiante e amoroso.
Tito, por ser sempre meu bebê #1, aquele que abriu pra mim o caminho intenso da maternidade.
Maya, pelo desembarque absolutamente arrebatador e transformador, pela força, pela participação ativa, por confiar em mim. Te amo absurdamente.